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Foto do escritorAfonso Nilson

Caixa de Pont[o] em perspectiva

Entrevista com Marco Vasques, poeta e editor


O Caixa de Pont[o] - Jornal Brasileiro de Teatro, pela diversidade, qualidade na seleção dos textos e capilaridade na sua distribuição, vem se tornando uma das mais importantes publicações de teatro produzidas no país.


Há cinco anos publica sistematicamente artigos de alguns dos mais proeminentes pesquisadores e artistas do Brasil, bem como perfis de grupos, críticas, sínteses biográficas e entrevistas com importantes nomes da cena teatral brasileira e dos países da América Latina.


Com distribuição gratuita dos exemplares impressos, e integralmente disponível na internet, o jornal funciona como um grande difusor de ideias e trabalhos referentes ao teatro brasileiro e latino-americano.


Capitaneado pelos críticos teatrais Marco Vasques e Rubens da Cunha, o jornal conta uma competente rede de colaboradores e um conselho editorial formado por professores universitários, escritores, artistas e críticos teatrais.


O editor Marco Vasques. Foto Iur Gomez


Todas as edições foram viabilizadas através de parcerias e principalmente por campanhas de financiamento coletivo. As novas edições, a serem publicadas em 2019, estão em campanha pelo seguinte link: http://vaka.me/443948

Outros apoios e informações sobre o envio de artigos e textos, ou mesmo para o recebimento da edição impressa, podem ser solicitados pelo e-mail: caixadeponto@gmail.com


A seguir, entrevista com o poeta e crítico teatral Marco Vasques, um dos idealizadores e editores do Jornal Caixa de Pont[o].



Marco, qual é a importância de um jornal brasileiro de teatro em um contexto de criminalização dos artistas e de extinção do Ministério da Cultura (MinC)?


Vivemos em tempos muito obtusos em todos os aspectos. Mais que isso, vivemos em um tempo em que a palavra se esfacela e o pensamento está subsidiado à categoria de opinião. Talvez não seja o caso de dimensionar a importância do Caixa de Pont[o] – jornal brasileiro de teatro, já que sou um dos editores. Essa tarefa é do leitor, da crítica e dos colaboradores. Sobre a criminalização da arte e, por consequência, do artista, cabe a nós, artistas, darmos uma resposta imediata e sem negociação. E essa resposta pode se dar no campo da política propriamente ou no campo estético, que, embora esbarre sempre no político, carrega em si outros aspectos que extrapolam o político no seu sentido precário. Penso que o nosso financiamento coletivo, por exemplo, é um ato político de resistência. Precisamos pensar em outras formas de financiamento cultural, já que os editais e as políticas públicas, sempre necessários, é preciso dizer, também estão contaminados com o sentido precário da política. A extinção do Ministério da Cultura é consequência de um devaneio asinino e tem por objetivo desarticular o fazer artístico. Mesmo algumas políticas públicas têm, no seu íntimo, o fator de segregação do que se costuma chamar “setor cultural”. Há uma guerra estabelecida entre os artistas que obedece aos mesmos conceitos do mundo selvagem do capital. Nós precisamos refletir sobre isso. Porque a pergunta que se pode fazer é a seguinte: a quem interessa que os artistas estejam desarticulados e entrincheirados em um emaranhado burocrático e de disputas? Evidentemente que temos diferenças de todas as ordens. Hoje, para mim, a única diferença que não tolero em um companheiro de trabalho é o fato de ele apoiar a escalada violenta e fascista que se inscreve em nosso país, em nossas cidades, em nossos bairros e, por fim, em nossas carnes.





Alguns dos mais destacados pesquisadores e artistas brasileiros já publicaram no Caixa de Pont[o]. O que os leitores podem esperar para as próximas edições?


A linha editorial continuará o seu curso se houver outras edições. O Caixa de Pont[o] – jornal brasileiro de teatro passa por um momento crítico. Há muito envolvido nesse projeto. Há o empenho pessoal de cada membro da equipe, há o desgaste financeiro e a incerteza de que no próximo ano continuaremos a existir. Há muito desgaste emocional também. Financiamento coletivo tritura a gente, porque você precisa ficar a pedir, a solicitar, a insistir. E isso tudo toma um tempo cronológico e emocional gigante. Veja: são três mil exemplares distribuídos gratuitamente mundo afora; trata-se de um dos poucos periódicos neste formato fora do eixo acadêmico; temos um excelente reconhecimento da crítica especializada e, ainda assim, a cada ano é uma saga para existir. Já fomos recusados em todos os editais imagináveis e inimagináveis. Penso que só o teatro pode ampliar o teatro. Então se todos os envolvidos com a nossa história entenderem que somos fundamentais neste contexto, conseguiremos sobreviver; caso contrário, ocorrerá justamente o que está posto neste momento no país: o esfacelamento do pensamento crítico, a morte da palavra e a banalização do ato estético e poético.






O jornal não possui apoio governamental ou institucional. As edições foram publicadas com doações e financiamentos coletivos. Nestes tempos em que o fascismo mostra seus dentes e uma camada numerosa da população usa informações desprovidas de fontes confiáveis ou simplesmente mentirosas como base para suas leituras de mundo, qual é a importância de um veículo independente e voltado às manifestações artísticas como o Caixa de Pont[o]?


Primeiramente preciso fazer uma observação. Para não cometermos nenhuma injustiça, é preciso reconhecer que temos um aporte. Ele vem da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, por conta de um projeto de extensão capitaneado pelo professor Edélcio Mostaço. Entretanto, apesar de importante, é bastante ínfimo e não subsidia nem metade da impressão de uma edição. Com relação a um de seus objetivos, o Caixa de Pont[o] tem como pressuposto navegar nas margens escuras da grande mídia. Veja: em Santa Catarina, por exemplo, os cadernos de cultura dos jornais impressos morreram, aliás, foram brutalmente assassinados por mentes tacanhas. Há um e outro jornalista da área cultural que tenta resistir. A internet se tornou este mundo sem escuta, em que todo mundo fala, mas ninguém consegue dialogar. O jornal, nesse sentido, tem uma importância de abrir um espaço para se discutir — com textos mais aprofundados e de maiores dimensões — o teatro que fazermos e o que pensamos sobre ele. É o único periódico do gênero no Sul do Brasil. Não achar um patrocinador para um projeto deste parece até brincadeira. Em um congresso em Porto Alegre estive com o editor Carlos Appel, ocasião na qual ele me perguntou se ninguém em Santa Catarina patrocinava o jornal. Disse a ele que muitas pessoas patrocinam e que sou particularmente muito grato por isso. Quando disse que somos recusados em todos os editais, ele ficou sem entender. Sabe o que ele queria fazer? Ligar para um senador para resolver o problema. Evidentemente que eu recusei. Se fosse menos árduo e se estivéssemos preparados para essa forma alternativa de financiamento cultural, creio que algumas dificuldades poderiam ser superadas. Este ano completamos cinco anos de existência e, se tudo correr bem, chegaremos à nossa décima edição. Creio que já se trata de uma contribuição, ainda que diminuta, para o teatro feito em Santa Catarina e no Brasil.







Nos últimos números do jornal Caixa de Pont[o] você tem publicado obras de dramaturgos contemporâneos e entrevistas de profissionais de teatro de vários países. Como vê o diálogo entre os artistas de teatro brasileiros e latino-americanos? Existe uma ampliação de laços e troca de experiências maior do que nas últimas décadas?


No circuito do teatro sempre houve diálogos. Se eles são suficientes e profícuos, resulta em um outro problema. A história do teatro brasileiro mostra que já no início de consolidação do que é chamado de moderno teatro brasileiro o trânsito entre Brasil e Argentina era constante. Mesmo antes, claro que com um caráter mais comercial, mas existia uma troca entre atores, produtores, companhias e empresários. No campo mais experimental, para usar um conceito problemático, aqui em Santa Catarina temos muitas trocas. A Téspis Cia. de Teatro há anos vem dialogando com a Argentina e o Chile. A Cia. La Vaca com o Uruguai e a Argentina. André Carreira tem trabalhado muito com dramaturgos chilenos e de outras nacionalidades. O Caixa de Pont[o] é mais um canal, pois dialogamos com todos esses países que citei. Seria necessário fazer um estudo mais aprofundado para afirmar que estamos ampliando ou não as trocas. No entanto, tenho uma questão com algumas afirmações. Há pessoas que encenam um dramaturgo latino-americano, por exemplo, e colocam no programa da peça que estão retomando o diálogo com isso e com aquilo. Pura bobagem! Quem conhece um pouco da história do teatro brasileiro sabe disso. Enfim, sempre deixei claro, em palestras e congressos, que o Caixa de Pont[o] é apenas mais um canal de debate, que nunca se pretendeu para além disso. E assim continuaremos.






Como tem sido a resposta do Caixa de Pont[o] entre artistas, professores, intelectuais e demais profissionais das artes cênicas?


A pergunta tem várias respostas. Particularmente penso que o chamado “setor teatral” catarinense não se importa muito com a contribuição que o Caixa de Pont[o] promove. Muitos sequer pensam na relevância de termos um canal deste para o debate. Estou falando grosso modo, porque há muitos grupos, diretores e pesquisadores que acham justamente o contrário. Sob o ponto de vista da crítica, não podemos reclamar. Recebemos excelentes críticas em inúmeros periódicos do Brasil. Algumas delas estão disponíveis no sítio do jornal, que, além de impresso, mantém um espaço virtual no qual todas as edições estão disponíveis para pesquisa e consulta, além, claro, de um espaço para crítica teatral e outros textos. O Caixa de Pont[o] não faz favor a ninguém. Por exemplo, se eu e o Rubens fizemos o perfil de um artista, uma longa entrevista, um crítica ou um perfil de grupo, nada esperamos disso. Estamos fazendo porque apreciamos o trabalho de quem escrevemos. Muitas pessoas não dão retorno ao receberem o jornal com um texto sobre seu trabalho. E não há nada de errado nisso. Não fizemos o Caixa de Pont[o] para ganhar elogios e criar rede de coleguismo. O Caixa de Pont[o] é feito por uma necessidade artística, por inquietação pessoal e desejo voluntário. Evidentemente, no entanto, que ficamos felizes em receber um retorno sobre nosso trabalho. É natural. Neste momento, a resposta mais viva que os artistas, professores, intelectuais e profissionais das artes cênicas podem nos oferecer é contribuir para que o Caixa de Pont[o] fique vivo. Antes de terminar, gostaria de agradecer à minha equipe, não me esquecendo deles aqui: Rubens da Cunha, Edélcio Mostaço, Amanda Corrêa, Denize Gonzaga, Juliana Gonzaga, Manuela (Nuna) Medeiros, Bárbara Bublitz, Carol Silva, Paulo Ramon, Iur Gomes. Todos eles dividem a luta comigo. A todos vocês meu muito obrigado!


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